1. |
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Vento que respira um vendaval
Quando vem revira esse ar viral
Revolta desafia todo o arsenal
Nunca erra a mira, nem pede aval
Vento que assovia o canavial
Tanto faz o bem quanto impele o mal
Sopra o Minuano, brisa o Mistral
Ventania viva, voraz, vestal
O sol envia o vento solar
Um halo no céu
Que nunca nos falte o ar
Ruah ou pneuma
Ele é quem faz revoar os cabelos
Remove montanhas de areia e segredo
Lento esculpe na pedra modelos
Varre distâncias, lembranças e medos
O hálito de Olorum
Senhor do infinito
Anelos de Amun
O sempre oculto
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2. |
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Sou árabe caboclo
Minha avó pega no laço
Contra o pacto caduco
Do agro gorando espaço
Agora eu quero dar o troco
Sou jagunço no cangaço
Sete a um eu acho é pouco
Eu dou nó com fio de aço
Eu vim cantar um coco
Na cabeça do compasso
Contratempo arranca toco
Eu faço caldo do bagaço
Se eu entro nesse jogo
Meto o pé e enfio o braço
Que eu nunca neguei fogo
Mesmo quando era cabaço
Casco duro, carne de pescoço
Esconjuro nesga de remorso
Desse fruto eu chupo até o caroço
Lambendo o beiço
Mas não chuto o pau, cachorro morto
Como um curdo, tetro absorto
Entro em surto, estou vivo e luto
Faço o que eu posso
Fundo falso esse poço
Nada é fácil a vida é susto
O tutano desse osso
Sugo hábil, mucho gusto
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3. |
Suburbiando
03:00
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De Irajá andava a pé até o Grajaú
Quando eu vendia sacolé no tempo do sinal
Depois cresci, sabe como é, retiro em Bangu
Fui transferido pra Magé, de lá para Natal
Pintou um trampo de pedreiro em praia de Pium
Do Alecrim à Mãe Luiza, banho de canal
(Quando não ia de buzum)
Ano virou, outro janeiro, fui pra Aracaju
Viver de catar caranguejo-uçá no manguezal
Mudou maré, peguei com fé e fui no rumo sul
Pra ver qualé do chamamé, tomar um chimarrão
Fui segurança em cabaré no bairro Bom Jesus
Num tiroteio eu fui parar na Serra do Curral
(Graças a Deus eu fui salvo pelo SUS)
Fui trocador de lotação no Alto Vera Cruz
Do Taquaril ao Céu Azul fazia no pedal
E fui porteiro de hotel na rua Guaicurus
Quando juntei um pé-de-meia: outra capital
Carregador no Ver-o-Peso, fardo de jambu
Na procissão de Nazaré eu tava seminu
(Levando o Círio no cordão)
Subi o rio e fui tentar a sorte em Manaus
Eu frequentei babassuê no Tarumã-Açu
Ventilador da Zona Franca a 25 paus
Me converti, neguei Jesus na região central
Em Taguatinga, eu transformava gris em acajus
Era barbeiro auxiliar da Guarda Nacional
(Continuava carregando a minha cruz)
Em Cuiabá eu ajojei no bairro do Baú
E fui garçom de self-service no Tijucal
Mas derrubaram meu barraco feito em muxirum
Fui fazer bico na pipoca em pleno carnaval
Vendendo mungunzá finquei raiz no Curuzu
E foi um pai de santo que encontrei no Candeal
(Quem me falou que eu era filho de Exú)
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4. |
Regresso ao Agreste
02:35
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Regresso ao agreste
Esse reverso de floresta
E do pouco que ainda resta
Esse progresso ao revés
Regresso ao agreste
Do eucalipto ao cipreste
A transgênica semente
A hidrelétrica da vez
E hoje a meta-resposta é talvez
Um deserto, essa réstia de través
Hoje tudo que pasta é a rês
E um trator que arrasta tudo ao rés
Nessa terra de xerife
Onde tudo se decide
Na base do cassetete
Não duvide
O sujeito te agride
Um sozinho contra sete
Você pensa no revide
E arremete
DDT e neocide
Com a mão santa quem compete
Com o imposto que incide
Quem resiste
Qual o custo desse bife
Qual o lucro dessa thread
Isso tudo é muito triste
Só regride
Regresso ao agreste
Seguindo por essa reta
Onde aponta uma seta
Leio a placa em português
Regresso ao agreste
Onde a commodity reveste
Todo lucro que se investe
Do que vende-se ao chinês
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5. |
Chachá
03:51
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Nasceu na seca do sertão
Se o sol lhe queima a pele arde
A mãe morreu de inanição
Cresceu na beira das cidades
A vida a fio de facão
Foi educado por abades
Nos olhos brilho e ambição
No peito todas as vontades
Atravessou o mar na baixa da maré
No Daomé virou Chachá
Em Ajudá tornou-se amigo de Gakpé
Foi protetor dos Agudás virou cativo em Abomé
No Dangbé vodum de Ouidah
Iorubá preso em corrente pelo pé
Trazia a raiva de um cão
Não tinha dó nem piedade
E pelas suas próprias mãos
Muitos perderam a liberdade
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6. |
Ex-extintos
03:57
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Onde estão os Malali e os Monoxó
Para onde os Tupinikin e Baeña
Onde estão os Maconi e Cutaxó
Retornaram os Puri. Mas e os Aranã?
Onde estaremos nós amanhã?
Cadê Tupinambá, Cumanoxó
Sumiram Giporok, os Pañame
Mas restaram Maxakali e Pataxó
Revoltaram os Botocudo e os Poté
Krenak e Xakriabá também estão de pé
Alvejaram Pojixá e Krekmun
Extinguiram os Aimoré e os Guerén
Os Nakneknuk clackbum
Dos Caeté não sobrou nenhum
Agora eu pergunto: advinha quem?
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7. |
Feira de Araçuaí
02:57
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Comprar farinha, pimenta e fumo
Chupar caju, cajá, mangaba e murici
Se tomar cana não perder o rumo
Comer andú, quiabo, couve com pequi
Me declarar pra pessoa que eu amo
Com rapadura, doce e mel de jataí
Se te encontrar vamos juntar os panos
Na feira de Araçuaí
Não é Caruaru e nem é Acari
É a feira de Araçuaí
Não é Caruaru e nem é Acari
E passa mês e vão passando os anos
Me lembro vez em quando eu nunca me esqueci
A cantoria vinda dos ciganos
Corre em minha veia desde que eu ouvi
Levar presentes para os meus manos
E três metros de chita pra você vestir
Vou ler a mão, saber o meu arcano
Na Feira de Araçuaí
Não é Caruaru e não é Acari
É a feira de Araçuaí
Não é Caruaru e nem é Acari
Chá de semente de São Caetano
Pau-santo, jatobá, pitanga e bacuri
Curar ferida e dor, eu não me acamo
Maracujá, velame, funcho e pacari
Pé de picão quero levar um ramo
E um litro e meio de óleo desse xiriri
Quiser me dar também eu não reclamo
Na feira de Araçuaí
Não é Caruaru e não é Acari
É a feira de Araçuaí
Não é Caruaru e nem é Acari
Uns de uniforme, outros paisano
Enquanto tantos vem à pé colhendo o jiquiri
Uns são jagunços, outros catrumanos
E vêm trazendo peixe pego no jequi
Vem de Nanuque e até de Desengano
Vem de Janaúba e de Jequitaí
E quem não veio tá fazendo planos
Pra vir pra feira de Araçuaí
Não é Caruaru e não é Acari
É a feira de Araçuaí
Não é Caruaru e nem é Acari
É a feira de Araçuaí, a feira de Araçuaí
Não é Mangaio, não é São Cristóvão
Não é a Feira Hippie nem a do Açaí
Roer caroço de barú, coco babaçu, carnaúba e buriti
Na feira de Araçuaí
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8. |
Triste Entropia
02:11
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Triste entropia resignificante
É o que restou do indeterminado
Ébrio de parati vejo tudo ao quadrado
Ego de Prometeu-Grivo lusofalante
Triste entropia resignificante
Atire a pedra contra o Guesa Errante
Que nessa guerra grita amordaçado
Vou me contaminando desse estado
Do agronegócio e tanto fertilizante
Triste entropia resignificante
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9. |
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Eu derrubo seu marco gigantesco
Com um martelo forjado em Urano
Tem metal de cometa amalgamado
E planetas extintos a milanos
Antes mesmo de tê-lo derrubado
Ele treme e se abala com meus planos
A marreta acoplada ao meu braço
É de liga de aço unobtanium
Ela é interligada à minha mente
E responde ao comando dos neurônios
O meu golpe só tem um resultado
Rompe pedra e concreto com titânio
Quando invisto diante do oponente
Tudo fica silente e sem lugar
Tempestades se alastram no meu rastro
O meu hálito chove e forma o mar
Com a acidez de dióxido e metano
Que corrói rocha e faz o chão rachar
Minha nave pousada na cratera
Faz da sonda da Nasa um brinquedo
Carruagem de Arjuna no deserto
A quadriga de Apolo, sol dos gregos
Ela é toda equipada e reluzente
Quem a vê admira e sente medo
Vou fazer a contagem regressiva
E dar tempo de fuga enquanto soa
Minha voz que é ouvida em suas luas
E meu grito de guerra quando ecoa
Causa erupção no Monte Olimpo
Eu sou o apocalipse em pessoa
Derrubei as muralhas de granito
Que cercavam Rabá e Jericó
Acabei com as fronteiras dos países
Fiz da Terra um lugar muito melhor
Mas em Marte eu dei logo o veredito
E depois só restou poeira e pó
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10. |
Ajayô
03:10
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Ajayô Opaxorô
Ajayô Èpa Baba
Ajayô Elegbo
Ajayô Obatalá
Ajayô Babalaô
Ajayô Metá Metá
Ajayô Orogbô
Ajayô Iyá yabá
Ajayô Deyi dagô
Ajayô Epô-pupa
Ajayô Caô caô
Ajayô Ídi idá
Ajayô Omolocô
Ajayô Tutu-babá
Ajayô Igbá Oxalá
Melekê
Mutalambô
Ogum delê
Agô Xangô
Cabecilê
Oxumaré
Dan Oluô
Erê, erê
Ago Okô
Mina-jeje
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11. |
Dasanuvio
03:16
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Era um homem vazio
Sem direção
Era sombra e martírio
Só solidão
Coração calafrio
E geladas mãos
Um orgulho sem brio
Sem certidão
Sua voz por um fio
Sem diapasão
Um olhar já sem brilho
Escuro
O desanuvio
Veio após visão
Virou desvario
Revelação
Mas se ela surgiu
Foi uma aparição
Era estéril e pariu
Regeneração
Gestação
Breu quando encontra a luz
A palavra não diz
O que não se traduz
Pôde até ser feliz
Num momento fugaz
Um desenho de giz
Essa paz, essa paz
Era tudo o que quis
Nunca mais, nunca mais
Foi assim por um triz
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12. |
Toma Tento
03:03
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Larga esse jogo menino
Quê? Vem cá
Presta atenção toma tino
E é pra já
Sossega esse facho malino
Pode parar
Eu mais aprendo que ensino
Vem brincar
Apaga esse fogo vem vindo
Se alastrar
Tem gente batendo até pino
Te contar
Quem nega ligar pro destino
Deixa estar
Bambu que enverga eu me inclino
Pra não quebrar
Vem retrucar a regra
Entortar a reta
Transversar
Refazer a meta
Que o planeta arrega
E vai cambar
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13. |
Os Sertões
04:26
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No leito do Vaza-barris
Feito Raso da Catarina
Um riso de abutres tris
Prenuncia uma chacina
Louvado seja o Bom Jesus
Loas ao Marechal Floriano
Entre a bomba e o obus
Um militar e um paisano
Não foi Pérfida Albion
Por detrás dos monarquistas
Jacobinos e maçons
Foram os autonomistas
Contra jagunços vietcongs
De Juazeiro a Vitória da Conquista
Louvado seja o Bom Jesus
Vivas ao Marechal Deodoro
Entre a bomba e o obus
Uma corneta e um chorus
Pajeú tal qual Giap
Enfrentaram a matadeira
Só com pedras e tacapes
Carregavam uma bandeira
Bacamartes contra Krupps
Cantou o embolador de feira
João Abade de Tucano
Comandante potentado
Ex-escravos e ciganos
Chegam de Jeremoabo
Pra guerra no sertão baiano
Belo Monte, Babilônia, Stalingrado
Entre Antônio Conselheiro
E o coronel Corta-cabeças
Há um soldado e um vaqueiro
Um sermão e uma sentença
Louvado seja o Bom Jesus
Loas ao Marechal Deodoro
Entre a bomba e o obus
Uma corneta e um chorus
No leito do Vaza-barris
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Makely Ka Belo Horizonte, Brazil
Makely é cantor, instrumentista, compositor e escritor. Lançou 5 discos, fez trilhas para teatro e dança que receberam prêmios, indicações e elogios de críticos musicais como Tárik de Souza e de músicos como Guinga e José Miguel Wisnik. Suas músicas podem ser ouvidas nas vozes de Lô Borges, Samuel Rosa, Moska, Titane, Tetê Espíndola e Ná Ozzetti, entre dezenas de outros artistas. ... more
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